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A enfermeira do hospital dormiu logo que trocou de turno, além de estar dormindo na hora do seu trabalho ela parecia incapaz de demonstrar empatia por aqueles idosos que vinham chegando, e para seus filhos e acompanhantes desesperados. Foi grossa, e falava constantemente “senta e espera” quando aquelas pessoas queriam URGENTEMENTE serem atendidas pelo médico. Médico esse, muito raro de aparecer. Boatos de que era apenas aquele médico naquela ala hospitalar. Depois de uma demora imensa, ele enfim deu as caras para atender minha avó, não passou exame nenhum e só fizeram quando a febre dela  subiu bastante. Mas não houve respostas se ela sairia daquela situação, se ela não ia, se ela poderia ter alta, se não podia. Na tarde de terça - feira de 31 de julho, ela já estava com sonda, antes disso passou o domingo a noite e a segunda sem se alimentar porque os médicos não passaram dieta para ela. No outro dia, ela já não acordava mais. Depois de muita conversa, eles fizeram alguns exames de sangue, mas nunca soubemos os resultados. Nos turnos, as enfermeiras continuavam dormindo, lembro da última noite que passei com ela, a mesma enfermeira que me recebeu com toda sua simpatia estava lá de novo, era por volta das 22 horas quando ela chegou, depois de toda a equipe sair, ela apagou as luzes, e dormiu. Eu lembro do meu espanto quando ouvi pedidos de socorro e ela não acordou, lembro do sentimento de revolta quando vi pessoas se virando por conta própria até um homem indignado acordá-la. Ela resolveu bater boca com esse rapaz por minutos, enquanto ele precisava de ajuda, nunca soube o desenrolar da história, facilmente perdia minha concentração naquele lugar. No mesmo espaço que ela estava, havia um senhor do lado com seu neto de acompanhante, um homem imenso e um garoto pequeno, uma hora o senhor perdeu o controle e o menino não conseguia segurá-lo, a enfermeira se recusou a ajudar e não havia maqueiros, foi preciso outros acompanhantes e outros internados inclusive para conter ele com um tranquilizante. Vovó, tadinha, despertou do seu sono mais profundo com tamanha confusão e eu conversava com ela explicando tudo que estava acontecendo na esperança do aperto de mão, que infelizmente nunca mais senti.

 

Foram cinco dias de choque, revolta e tristeza profunda. Uma contagem regressiva para o fim do seu sofrimento, nunca tivemos resposta do hospital, nunca tivemos os resultados dos exames, nunca soubemos o que aconteceu. Quando absorvi tudo que tinha passado com ela, lembrei dos outros. O sentimento era geral. É geral e é presente. Dona Francisquinha foi uma mulher de garra até o fim dos seus dias, queríamos um final tranquilo para ela, como lutamos para ter, mas infelizmente foi traumático.

 

Na madrugada de sexta feira do dia 03 de agosto de 2018, dona Fransquinha nos deixou. Morreu em uma maca, desconfortável, sem auxílio e sem cuidado. Mas não morreu sozinha, estávamos com ela segurando suas mãos,  até não podermos mais.

 

Sua espera havia enfim terminado.

Mãos dadas

O Fim da Espera de Dona Fransquinha

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